domingo, 30 de novembro de 2014

Sylvia: La venganza nunca es buena...

...mata el alma y la envenena. Por ello, lo que voy  a decir, tómelo por el lado amable.



Resumo do episódio de hoje: Sylvia Colombo levanta um saco cheio de objetos duros e pesados por sobre o ombro, sem olhar direito se vinha alguém atrás, e termina acertando em cheio as fuças de quem admirou o trabalho de Roberto Gómez Bolaños. Sylvia não sabe, mas ela é protagonista de um episódio do Chaves .
O texto de Sylvia, "Menos Chaves, mais Cantinflas", é uma peça de, como dizer... provincianismo cultural. Sim, esta moléstia da que supostamente sofremos os brasileiros, para cujas pústulas Sylvia se dedica a apontar em sua labor na Folha. Perdoe-se minha superficialidade no que segue, isto é apenas um mimo do estilo sylviano, mas se é possível reduzir o trabalho de Bolaños àquilo que lemos na diatribe da moça, pode-se reduzir a própria moça a dois textos de sua autoria: este sobre o Chaves e outro sobre a morte de Wando. Ambos dão a mesma sentença: o brasileiro é ignorante e provinciano. Sobre a morte de Wando e o brasileiro: "A comoção nacional e o elogio de seu legado deixam evidente nosso provincianismo"; sobre a morte de Bolaños e o brasileiro: "A exaltação do personagem conhecido aqui como Chaves é mais do que um sinal da imensa ignorância dos brasileiros com a cultura dos países latino-americanos". Pobres de nós, Sylvia, os ignorantes, os provincianos. Mas fica o consolo: toda província possui a manjada figurinha do intelectual provinciano, aquela pessoa mais estudada, que olha, lamentosa, para o estado de indigência de seus concidadãos, e admoesta-os e ensina-os por meio de suas colunas no jornaleco local, a rocha de que brota o manantial de sua sapiência. Sylvia é essa figurinha. Mas, no fundo, Sylvia é, também, uma romântica. Não posso duvidar de seu conhecimento sobre a história, política e intelectual, da América Latina. Por não ter essa dúvida é que arrisco a tese psicanalítica: ficou-lhe tão profunda a impressão de ter lido os intelectuais da emancipação latino-americana de fins do século XVIII e começo do XIX, os intentos de instruir a colônia através da nascente e depois pujante imprensa local, que hoje esta impressão se manifesta ao modo de um cacoete, digamos, "de luzes": alguém precisa trazer o saber, a Ilustração para estes pobres espíritos brasileiros... Daí vem essa morbidez de chicotear os ignorantes no exato momento em que vertem lágrimas por algum de seus ídolos de barro recém quebrados.

Vamos ao texto. Nada mais provinciano do que diminuir o trabalho de uma pessoa pela comparação com os trabalhos, completamente díspares, de outras pessoas, como o fez Sylvia. O que têm em comum Buñuel e Chespirito? Fizeram audiovisual em espanhol. Digo audiovisual como traço mínimo de comunidade, já que, de cinema a televisão, haja distância! É certo que Chespirito também se aventurou no cinema e é correto que Buñuel tem, em "Los Olvidados", uma obra com um toque de realismo documental e, ao mesmo tempo, algo de surrealismo que, como produto final, é um grandioso filme acerca da injustiça social mexicana. Mas, de onde vem Buñuel? Em que ambiente intelectual se desenvolveu? Quem o influenciou? É uma comparação improcedente: em sua atividade como cineasta, Bolaños trabalhou  apenas com o humor e a sátira. Rulfo e Chespirito? Tematizaram o México. Digo "tematizaram" porque, de conto, romance e fotografia (nem mencionada, esta, por Sylvia) sobre os conflitos rurais e o coronelismo (Rulfo) a televisão sobre temas urbanos (Chespirito), há distância, Sylvia, distância. Octávio Paz e Chespirito? Expressaram-se em espanhol. Digo expressaram-se em espanhol porque, de ensaio e poesia (Paz) a televisão (Chespirito)... etc. Qual é o termo de comparação aqui? Intui-se que algo como "a pobreza na sociedade mexicana". Eis o pomo da discórdia nos dias que correm: todos se arrogam o direito de ditar como é que realmente se deve representar a pobreza nas artes e, em geral, como é que os oprimidos devem ser figurados. Um campo farto de tensões, sobre o qual a única certeza é: nenhuma representação, jamais, agradou a todos. Campo no qual, aliás, a escolha de trabalho de Chespirito sempre se mostrou em desvantagem: há obras consideradas magistrais, provindas da literatura, do cinema, da fotografia; no caso da televisão, parece-me, nada existe com essa magistralidade. Sylvia poderia iluminar a província com algum exemplo, já que furtou-se em seu texto de nos trazer um artista que tenha feito grandiosidades como as de Rulfo, Paz, Cantinflas e Buñuel para a televisão, no formato e no gênero em que o fez Chespirito.

E Cantinflas? Bem, aqui, Mario Moreno Cantinflas surge numa posição especial: Sylvia vaticina mais Cantinflas, menos Chaves. De alguma forma, há uma certa equivalência de posição, dentro da qual um deve ser trocado pelo outro. Há uma possível saída pela tangente: diz-se para ver menos "Chaves" (a série) e mais Cantinflas, e não para desprezar toda a obra de Bolaños e ficar apenas com Cantinflas. Saída falha: Chaves não é cinema. Mas não afirmo que Sylvia responderia com essa saída, apenas já quero eliminar a possibilidade. É menos Bolaños, mesmo; menos comoção, ó, incultos! Logo vem a comparação que perpassa o texto: como Buñuel, Rulfo e Paz, Cantinflas, sim, que conseguiu uma obra que trouxesse os problemas sociais do México à tona e, além disso, por meio do humor; Bolaños, não, seu humor é raso. É "vitória" certa. Ou não. Deixado de lado o fato de que Cantinflas é cinema, enquanto a parte da obra de Bolaños que o tornou conhecido não é cinema, resta a análise dos personagens, das situações dramáticas. É aqui onde Sylvia parte para o ataque.

Vamos por partes.
1. "Para um produto cultural latino-americano ser consumido com êxito no Brasil, precisa ser assim: folclórico, tonto, mostrando que o outro é atrasado". Não, Sylvia, o sucesso do "Chaves" não se deu por conta do "atraso do outro" de que ríamos, mas, sim, por conta do de te fabula narratur, uma identificação com o outro.
2. "Comecemos pelo nome do personagem. Ele nunca se chamou Chaves. Para entender a expressão “el chavo del ocho” (o rapaz do oito), porém, é necessária alguma intimidade com o idioma espanhol e sua coloquialidade. Muito complicado, certo? Fácil, chamamos de Chaves mesmo, sem nos importarmos de que fica completamente estranho tratar um garoto comum pelo sobrenome, dando-lhe um formalidade inexistente na série original _basta ver que os outros personagens são chamados só pelos apelidos.". Sylvia, assim como soaria estranho chamar um "garoto comum" pelo sobrenome, igualmente soaria estranho chamar um garoto qualquer de "O garoto". A situação é estranha para os dois idiomas. Compartilho, em parte, com a sua discordância: "Chaves" parece muito com um sobrenome, não com um apelido. O "chavo del ocho" virou "Chavo" por antonomásia, era o único "chavo" sem nome da vila. Agora, pense: o que os tradutores brasileiros podiam fazer? "O garoto", sinceramente, seria uma porcaria. A solução que eles encontraram, por acaso, é incrivelmente coerente com o trabalho de Bolaños: a maioria dos (se não todos) personagens cujos papéis ele interpretou tinham o nome começado, tal como seu nome artístico, por "CH", daí Chavo, Chapulín, ChapatínChaparrón, Chómpiras. "Chaves" não foi tão mal, no fim, e nos diz muito mais acerca da dificuldade dos tradutores para encontrar alguma homofonia do que acerca da nossa ignorância provinciana.
3."Quando somos crianças e adolescentes gostamos de coisas estúpidas, dizemos coisas estúpidas. Muito mais grave é chegar à fase adulta e mandar a observação, cheia de sabedoria, de que um programa tão raso como esse trazia uma espécie de “alta filosofia” embutida. 'Chaves' não é 'cult', é ruim mesmo". Que mania essa, típica de aspirantes a intelectuais entre os 18 e 30 anos, de sentir um certo prazerzinho em "negar" o "status" de "cult" a coisas e pessoas que nunca pretenderam sê-lo, não? Há de ter sido um lapso de idade seu, Sylvia. Não sei com quem você anda por aí, mas atualmente, quem se pretende "cult" anda com camisas de Stanley Kubrick, exalta na fila do pão as qualidades do cinema iraniano e nunca, nunca mesmo, admitiria assistir a televisão aberta. "Cult", Sylvia, hoje, aqui na província, é um estatuto paradoxal,  é chamar de "alienado" quem não suportar dez segundos de Valesca Poposuda (é feio e incorreto, hoje, achar ruim múscia pop-popular) e, ao mesmo tempo, dizer que só vai naquele cineminha em vias de quebrar, que só passa festival Truffaut, pois os cinemas de shopping são insuportáveis. Mas é claro, você não está a falar de pessoas, e sim de produtos culturais. Eis que o Chaves jamais foi para ser "cult", não possui, de saída, nenhuma das características do "cult". Chamar de não-algo um produto cultural que que se mantém como não-algo há mais de trinta anos é uma trivialidade, Sylvia.

4. "Os roteiros eram estúpidos, os textos, fraquíssimos, as piadas, preconceituosas e machistas _basta ver como são retratadas as mulheres no programa. Temos a menina histérica de vestido curto, a mulher mandona cheia de bobs no cabelo, ou uma mais velha, que sem rodeios é chamada de “bruxa”. Sem contar o modelo masculino (seu Madruga), um sujeito folgadão, desbocado e autoritário, a homofobia implícita de seu discurso e suas atitudes." Opa, aqui, temos que ir por subpartes! Os roteiros, caso não tenha notado, Sylvia, eram variáveis. Seu texto é curto, por isso não vou exigir que mencione pelo menos um roteiro, sei que vida de intelectual é corrida aí fora da província. Peguemos um, "Las Estadísticas": a criançada quer brincar na rua, mas, diz o professor Girafales (com J de Jirafa, em espanhol), de acordo com as estatísticas de atropelamentos, é muito perigoso. As pessoas simples da vila entendem ao contrário: não são os atropelamentos que geram estatísticas de atropelamentos, mas as estatísticas é que tornam provável que alguém vá ser atropelado. Não sei você, Sylvia, mas aí vejo uma sátira ótima de como as estatísticas influenciam o senso comum e chegam a ser reificadas. Não são os "atrasados" que se comportam assim, Sylvia, somos nós, acossados pela racionalidade científica. E esses textos "fraquíssimos"? Poderíamos olhar pelo menos uma linha  (sei, vida intelectual corrida etc., deixe o caipira aqui trazer um...), que tal "en primer lugar, no hay trabajo malo, lo malo es tener que trabajar", frase célebre de Don Ramón ("Seu Madruga"). Ele a diz a Dna. Florinda, quando esta ri-se dele por estar trabalhando como compra-vendeiro de artigos usados. Primeiro: um desafio à senhora acomodada, que vive de uma pensão do estado e faz troça da condição e fama de sujeito quebrado de Don Ramón. Segundo: em uma frase, a questão à "ética do trabalho" que foi imposta pelos impérios dominantes aos dominados nas Américas: os "nativos" não gostam de trabalho, são vagabundos... não, senhor! trabalhar, nós trabalhamos, mas jamais fomos obrigados a fazê-lo. E quem conhece o Chaves, sabe: Don Ramón sempre se dispôs a trabalhar, mas como autônomo, o que dá o contexto necessário para entender este exemplo de texto "fraquíssimo". Agora, vamos às piadas preconceituosas e machistas: "basta ver como são retratadas as mulheres", você diz, Sylvia. Onde você vê a "menina histérica de vestido curto", eu vejo uma criança que não liga para como se veste (inclusive com o casaco torto), é mais esperta que todos os meninos da série, não faz diferença entre "brincadeiras de meninos e de meninas" e, inclusive, é a líder da banda da vila, cabendo a ela puxar o som: "a la wan, a la chú, a la wan, chú, tre!". E mulheres "mandonas" como a Dna. Florinda, não existem no mundo? E não existem nas artes? Descartemos até a Dna. Katerina Marmeladova, de Crime e Castigo! E a "bruxa"! Céus, crianças jamais colocaram apelidos nas pessoas, nem na realidade, nem na ficção. Os adultos vivem lembrando às crianças: "é senhorita Clotilde!", mas é insuficiente: Bolaños insiste em mostrar crianças como elas são, cheias de imaginação. E esse "modelo" do Don Ramón. Ah, Sylvia, aqui a coisa se complica. Acho que não há personagem do Chaves por quem as pessoas guardem mais carinho do que pelo "Madruguinha". Já falei de como ele é "folgadão", tem um certo pensamento sobre o trabalho que desagrada aos mais afeitos ao "obter o pão com o suor da testa". Aqui é interessante mostrar-lhe como o mesmo Cantinflas faz um personagem folgadão e machista, que diz que nunca irá trabalhar e que vai se mudar para a casa onde a noiva trabalha como doméstica, comer às custas do patrão dela e ficar com a metade do seu salário. Claro que a minha intenção aqui não é cobrir de dejetos o genial Cantinflas, tal como você, Sylvia, faz com Bolaños. Amo o cinema de Cantinflas, como amo o trabalho de Bolaños. Mas já que você insiste na comparação, tome aí uma cantinflada. Você também vai encontrar o seu Madruga dizendo à Chiquinha que ela não pode gostar de futebol. Mas, fazer o que, Sylvia? Tanto Bolaños quanto Cantinflas viam um certo machismo no homem mexicano.  Machismo e "malandragem", que você pode encontrar nesta outra cantinflada, em que o personagem de Cantinflas "rouba" um beijo da personagem ultra-decotada. Um primor de objetificação da mulher, não lhe parece? Quanto a "desbocado", realmente não se entende o que você quer dizer. Palavrões, jamais os diz, Bolaños não era idiota para colocar isso em um programa infantil. Tentei auxiliar-me com o dicionário, mas nada encontrei no "Madruguinha" que o caracterizasse como alguém que usa vocabulário obsceno. Ficará para a disciplina da hermenêutica sylviana saber o que você quis dizer. "Autoritário"? Sim, com as crianças, e ao resto, só obedecia. Aquela banda da Chiquinha o estava atazanando, ele a quis deter, mas sob a ameaça da palma de Dna. Florinda e da altura do Prof. Girafales, só restou-lhe entrar em casa e socar miolo de pão nos ouvidos. Agora, a parte mais difícil de falar sobre: a "homofobia implícita em seu discurso".  De fato, ao longo de trinta anos do programa do Chespirito (aqui abrangendo chapolim, chaves, los caquitos, los chifladitos, dr. chapatín etc.) houve algumas piadas, muitas repetidas, como a da "pose do atirador", por exemplo. Agora, repreensão aberta e violenta à  homoafetividade, isto, Sylvia, não há. No máximo, um "que pasó, que pasó, vamos ay" do seu Madruga, e outras reações, em geral, mais ligadas ao próprio machismo de que falava anteriormente. Preconceito, Machismo e Homofobia... faltou falar do Racismo, Sylvia: Bolaños nunca selecionou atores com visível origem nativa para o show de Chespirito, a não ser como figurantes. Tivesse-o feito para o Chaves, estaria sendo racista também, ao colocar pessoas com traços nativos num contexto de pobreza da vila. Agora, acusá-lo de "perpetuar" qualquer um desses preconceitos é ir longe, às raias da paranoia. Ou ter um dedo muito seletivo. Aliás, já me alonguei tanto que me esqueci: o dedo Sylvia tem esse tesão mórbido, de erigir-se contra cadáveres frescos. De fato, Bolaños não foi um revolucionário, não dedicou seu trabalho a reverter os problemas. Como tampouco o fizeram outros cineastas, escritores, artistas plásticos e, inclusive, intelectuais. Imagino-lhe, Sylvia, no ano de 1986, no dia 25 de junho, Jorge Luis Borges ainda sendo velado: "Mais Arlt, menos Borges - Arlt dedicou-se a trazer de forma contundente as mazelas sociais da urbe bonairense, Borges encerrou-se em seu castelo intelectualista eurocêntrico -sua admiração pela sabedoria arábica e oriental era pura erudição eurocêntrica também-, quando dele saia, era para ressuscitar o gaúcho mítico, sua figura e sua lírica, e seu machismo: lembrem-se da Juliana sacrificada pelos dois irmãos no conto "La intrusa". Jamais se posicionou explícita e cabalmente contra a ditadura nos anos 70. Chorem esse Borges aí, ignorantes, provincianos, afeitos a idealismos e labirintos". Brincadeira, Sylvia, você não escreveria isso. 

5. "Mas o pior é passar essa ideia de uma pobreza estereotipada latino-americana. A equação da série é essa: Chaves é um moleque de rua, mas é muito espirituoso. É pobre, dorme num barril, mas é um cara feliz. É ignorante, mas emite frases cheias de sabedoria, como “foi sem querer, querendo” (oi?). Ou seja, o programa reforça todos os chavões que ajudam a perpetuar uma sociedade desigual, onde é chique veranear em balneários como Acapulco e perfeitamente natural que exista uma distinção óbvia entre “gente de bem” e “gentalha” ". Já abordei o tema da pobreza, "o pior". Agora vejamos essa "equação da série". Confunde "ignorante" com inocente, não, Sylvia? As frases de Chespirito consideradas "cheias de sabedoria", geralmente partem dos adultos da vila e do Chapolim. Certamente, "fue sin querer queriendo" não está no rol das "cheias de sabedoria". Procure em "la venganza nunca es buena, mata el alma y la envenena". Se você não compreende que aí está colocado que um ciclo de violência se perpetua quando atos de vingança são levados a cabo; se não enxerga aí a história latinoamericana dos ciclos infinitos de vinganças inter-familiares, seus olhos andam muito mesquinhos, Sylvia. Sabe, não afirmo que Bolaños quis dizer isso: quero dizer que a frase simplória permite pensá-lo. Vamos à equação de novo: Chaves é pobre, mas feliz, é ignorante, mas diz coisas espirituosas, logo ajuda a perpetuar as injustiças. Não. "El chavo del ocho", especificamente, nada disso faz. Porque não sabemos do futuro do menino Chaves. Não sabemos, por exemplo, o que fará do aprendido com o seu Madruga, seu "pai" na vila, que dá um jeito de criar a filha sozinho, endividado, e mesmo nessa condição precária, ainda tenta ajudar o Chaves como pode, pois não consegue dormir sabendo da sua fome. O mais que se pode dizer é que "El chavo del ocho" é uma série em que o tempo é estático: não aspira ao futuro e não revisa o passado, não afirma como o primeiro deve ser, nem como o segundo deve ser lido. Acuse-a, então, mas disso: sua neutralidade pode ser uma omissão. E só. E tal acusação, ainda que não tão desvairada como a de causalidade, resta ainda inócua, uma vez que a posição de prescritor de deveres aos artistas inexiste, e quem quer que se arrogue a ocupá-la não tem a mínima condição de fundamentar tal direito, a não ser que afirme provir este de alguma sorte de fonte divina, quer dizer, o puro delírio de grandeza. 

6 (e último) "Para os que veem em Chaves um retrato romântico da pobreza latino-americana, pergunto ainda se têm ideia daquilo que o criou e que tanto lucrou com o sucesso do personagem: o grande império midiático chamado Televisa, maior conglomerado da língua hispânica, acusado de financiar campanhas eleitorais e de ter um forte lobby no Congresso". O famoso "argumentum ad hitlerum". Tempo há que não o via. Sabe, Sylvia, eu me pergunto se os colecionadores, admiradores e aspiradores a possuírem um Fusquinha têm ideia daquilo que o criou e que tanto lucrou com o sucesso do modelo: o grande império automobilístico chamado Volkswagen, uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, com uma forte participação no esforço de guerra do Terceiro Reich (usando trabalho escravo, inclusive). Pergunta idiota, não? O que Ferdinand Porsche e sua equipe, criadores do Fusca, tem a ver com isso? E Bolaños? O canal onde ele criou o Chaves (Canal 8, daí "Chavo del Ocho") foi comprado pela Televisa (em resumo, já que o processo tem mais detalhes), lá era onde ele tinha as condições de continuar criando. Será que Sylvia Colombo vai algum dia abdicar de escrever para a Folha, por seu envolvimento passado com o Golpe de 64? Bolaños não podia prever o futuro, mas Colombo já sabe do passado. Enfim, este parágrafo inteiro está assim esdrúxulo porque julgar Bolaños e os fãs de Chaves pela Televisa é esdrúxulo.  Quem gostou e gosta de Chaves não deve necessariamente pensar na Televisa. Quem gosta de Fusca não deve necessariamente pensar em Hitler. Quem segue a coluna de Sylvia Colombo não deve necessariamente pensar em 64.

É isso. Não terei paciência para uma tentativa engenhosa de fechamento. Cansei. Vou-me pro barril.

Um comentário:

Autor disse...

Meus Parabéns! Escreveste o que eu penso, mas não tenho talento para escrever.